quinta-feira, 21 de dezembro de 2006

Potenciais espectadores

Dominique Ingres, habitualmente considerado como um neo-classicista, em 1814 pinta a Vénus oriental, Odalisca,( palavra turca para designar escrava de harém). Odalisca, na sua estranha mistura de reserva e voluptuosidade, seduz, de forma encantatória, os olhares exteriores à sua realidade pictórica. Odalisca sabe que o seu corpo está em confronto connosco, não como uma visão directa e imediata, num espaço/tempo comum, mas através da própria intenção e experiência do pintor. Cabe, assim, aos espectadores testemunhar, segundo uma visão pessoal, a relação entre o pintor com aquela mulher.

Na forma artística do nu europeu, como conta John Berger, os pintores e os espectadores-proprietários eram normalmente homens, voyers, sendo as mulheres, na generalidade, tratadas como objectos. Esta concepção, infelizmente, parece, ainda hoje, perdurar na nossa cultura, afectando de forma estruturante a consciência colectiva. Reconheça-se o que acontece na publicidade, no jornalismo, na televisão, etc. Em que, de facto, as atitudes e os valores dessa concepção tradicional persistem a demorarem-se, continuando-se a pressupor que o espectador “ideal” é masculino e a imagem da mulher se destina a lisonjeá-lo.

Contudo na arte moderna a categoria do nu, segundo o mesmo autor, passou a assumir uma menor importância, e os próprios artistas a têm vindo a pôr em causa. Veja-se a denúncia feita pelo grupo Guerrilla Girls.

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